segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Manifesto

Onde havia amor, já não se pode haver.
Mas do que nunca, de hoje em diante
Nessa terra, nessa vida, ninguém pode viver
Dos verbos que sucedem aquele que é operante.
Ninguém aqui fornica, ninguém pode mais foder.
Nem como gente amiga, nem como gente amante.

Cortem a carne do que peca.
Mas não permitam ver-lhe o sangue,
Que é o sumo do doloso.
É o que endurece toda neca.
E ainda que ele sangre.
Não lhe deixem ter o gozo.

Digam adeus à falha, ao erro, ao ato.
Não ouvi, ainda, palavra sequer.
Quem será o primeiro a ser de fato
O carnífice da iniquidade da mulher?
Saiba este, renegar apetitoso prato.
Em tal iguaria não meterá mais a colher.

Falemos de falência ao falo!
Gritemos guilhotina ao grelo!
Falência ao falo!
Guilhotina ao grelo!
Ao falo!
Ao grelo!
Falo grelo!

[Aline Sampin

domingo, 9 de outubro de 2011

Versos que dizem a vida de Maria e seus adversos

Sinceridade no olhar que sorria
Se ria toda de dança, de graça.
Que brinquedo contenta Maria?
E nem birra, nem pirraça.
Chega perto e enverga alegria.

É manhã da noite pro dia.
Maria canta qual passarinho.
Que barulho norteia Maria?
É murmuro de cantinho.
Mamãe chorava enquanto lia.

Lágrima de mãe dói qual tortura.
- Já sou crescida, posso aguentar.
- Papai se foi lá pras alturas.
- Mas mandou carta e vai voltar.
Mas não demora em sua candura.

Maria de raiva desespera:
Volta do pai é que nem nunca.
Desacredita a sua espera.
Seu coração vira espelunca.
Nada será mais como era.

Logo vê que o pai morreu.
Criança crê que tudo volta.
Mas vê no chico, que cresceu.
Chegou à idade de revolta.
E sua esperança feneceu.

Cadê carta, está no porão.
E no papel o que é verdade.
Letra não é do pai, mas do patrão.
Veio informar a calamidade.
Que pai morreu numa explosão.

Mina, mineral dá dinheiro que só.
Patrão sabe que o luto tem o seu valor.
Compra o luto pobre com um futuro melhor,
Inda cisma que seu ato foi um grande favor.
Eita vida, que de assim não dá pra ser pior.

- Pra ser gente, tu estás nesse mundo.
- Escuto tua fala e antes disso, obedeço.
Não foi nesse, nem no outro segundo
Que a usança da moça virou do avesso.
Levaram dois anos num penar profundo.

Menina Maria debutou na estrada.
Foi para cidade a todo custo ser gente.
A revelia brotou cada passada.
Na noite urbana, assim mesmo de repente
Foi ter com a vida, essa amiga desgraçada.

[Aline Sampin