quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Meu Jogo

Eu queria, ainda, um resto do que vem.

Vender o nada que me cabe da sombra que me cobre.

Ter a visão distorcida por uma bolha de sabão.

Comprar a bolha por apenas um vintém.

Das folhas da árvore me vestir e me sentir nobre.

Ter meu mundinho me protegendo de qualquer não.


Mais ainda, eu queria ter a tua companhia.

Tê-lo preso, por tua vontade, ao meu lado.

Aperfeiçoar, o que é perfeito, tua nobreza.

Enfiar-te em mais uma bolha que surgiria.

Vigiar, como um tesouro, teu olhar apaixonado.

Trancar, a sete chaves, no meu peito, tua pureza.


Queria, em fim, caminhar por sobre a mesa.

Admirar este meu encantador jogo de tabuleiro.

Jogar o pequeno dado de única face.

Ganhar de minha rival a realeza.

Descobrir que não tem preço este meu reino,

E que minha adversária era meu insólito disfarce.


[Aline Sampin


- Ilustração: Aline Sampin

domingo, 14 de outubro de 2007

Dom


Use minha vontade.

Nada de amor mimético, estético.

Me dê a rebarba, o defeito, o teu jeito.

Da tua pose covarde,

Faça um samba patético.

Da tua falsa coragem,

Faça um paço sintético.

Tropece, disfarce, invente, seja meu,

Minha nota de bamba,

Meu malandro de rua,

Tudo que a vida roeu,

Todo meu dom de ser tua.

[Aline Sampin


- Ilustração: Aline Sampin

sábado, 4 de agosto de 2007

Anônimo

Silêncio, silêncio.

Na minha nuca, olhos me fitam.

Me seguem, mas não vou me virar.

Sinto o calor de um suspiro,

Muito úmido, mas não quero olhar.

O anônimo me soa como mito,

Porém, no mesmo rito, eu me nego.

Anônimo talvez por medo ou desapego.

Incógnita, enigma, charada.

Embora a curiosidade reja,

Até que aprecio alongar meu desespero.

Quem sou eu pra ter alguma resposta.

Não sou ninguém pra pessoa as minhas costas.

Meu anonimato é bem mais relevante.

Sou incógnita muito mais constante,

Perene de meu mundo.

Oh! Meu cavaleiro onipresente virtual

Me socorre desta rede de intrigas digitais.

Me apanhe em seu cavalo de tróia!

Tenho um presente grego no meu colo.

Se debruce sobre meu ombro,

E veja que rara jóia,

Um órgão naturalmente solo

Sem afagos, um verdadeiro escombro.

O que sobrou da pequena máquina

Intimamente infectada pelo teu

Silêncio, silêncio, silêncio...

[Aline Sampin



- Ilustração: Aline Sampin.


terça-feira, 10 de julho de 2007

Perdôo-te tua cor, nega


Nega, me empresta tua cor!
Não recusa meu perdão.
Tens me causado tanta dor
Os olhares à tua pele,
Todos os “ais” na tua mão.

Perdôo-te o descaso,
O fracasso da minha ginga,
O mau pedaço que és do mundo,
A malemolência de tuas carnes,
Teu gosto por boa briga.
Perdôo-te por um segundo.

Mas me empresta tua cor!
Cobre-me de melanina!
Deixa eu me sentir forte, menina!
Queira me dar o teu amor!

[Aline Sampin


-ilustração: Aline Sampin

segunda-feira, 16 de abril de 2007

Prazer


Um acaso de bocas que se encontram.
Principio de um desentendimento.
Um particular a dois
Afastamento do resto do mundo Sensorial,
Sem sentido de ser.

Dentes se esbarram num sorriso
Duradouro por crescer.
Motivo sincero para um abraço
E mãos que começam a descer
Por um caminho desconhecido,
Ou ao menos por esse ponto de vista.
De dois corpos que já não vestem mais nada.
De dois copos, de dois sopros de vida.
De berros uníssonos, suspiros, ar.

Contrações simétricas do par,
Que contam o que a boca não pode falar.
Não pode gemer e já não pode gritar.
Já não se permitem amar longe.

[Aline Sampin